“Os estudos de células-tronco têm evoluído bastante nos últimos anos e sua aplicação no tratamento das doenças oculares está cada vez mais atual”. É o que informa o especialista em retina clínica e cirúrgica do Hospital de Olhos de Sergipe, o oftalmologista Gustavo Barreto de Melo.
Para entender um pouco mais sobre o assunto, ele explica o que é uma célula-tronco: “simplificadamente, nada mais é do que uma célula indiferenciada com potencial de se transformar em outras com características diferentes”. Segundo ele, elas podem ser obtidas de diversas fontes, desde as polêmicas células-tronco embrionárias às células da polpa de dente de leite ou da pele de adultos. Todas elas, em graus diferentes de precisão, têm potencial de transformação numa célula específica do olho. “Para isso, basta um estímulo com substâncias específicas para direcionar a diferenciação celular”, acrescenta o médico.
Grande controvérsia surgiu nos últimos anos quanto à legalidade do uso das células de origem embrionária. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal liberou, em 2008, o uso das mesmas, assim como vários outros países do mundo. “A grande vantagem dessas células é a sua capacidade de se diferenciar em qualquer outro tipo celular. Por isso mesmo, todos os seres humanos tem sua origem num embrião”. Paralelamente a essa polêmica discussão, a ciência evoluiu significativamente ao ponto em que foi possível criar células com as mesmas características das embrionárias a partir de células simples extraídas da pele. “Essa foi a maior revolução dos últimos anos nessa área de pesquisa. Agora, não há mais as mesmas restrições éticas. Muitas portas foram abertas para o progresso científico com essa descoberta”, afirma ele.
Na oftalmologia, as células-tronco já são usadas para o tratamento de algumas doenças da córnea, como os casos em que há queimadura ocular grave. Neste caso, o tratamento padrão é com transplante de células-tronco da periferia da córnea (limbo) de um olho para o outro do próprio paciente ou de um doador compatível. Outra alternativa muito bem estudada em animais é o uso de células-tronco da polpa do dente de leite para esse tipo de doença corneana.
O especialista participou do estudo pioneiro em que foi feita essa avaliação, numa parceria entre a Universidade Federal de São Paulo e o Instituto Butantan. “Recentemente, foi dado início à nova etapa do estudo: teste em humanos. A expectativa é grande, porém não há resultados disponíveis”, afirma o oftalmologista.
Enquanto o tratamento das doenças da córnea está numa fase mais avançada, o das doenças da retina ainda está em estágios mais preliminares. Algumas patologias são alvo de uma possível terapia com células-tronco: um dos tipos da degeneração macular relacionada à idade e às diversas distrofias da retina (Retinose Pigmentar é a principal delas).
Os estudos mais atuais em animais mostraram os primeiros resultados de sucesso. A visão de camundongos doentes apresentou significativa melhora. De acordo com ele, o que chama a atenção é que as células-tronco utilizadas foram obtidas da pele, seguindo processo laboratorial específico para sua geração. Esse modelo de terapia acabou de ser aprovado para estudo em humanos nos Estados Unidos.
O mesmo grupo de pesquisadores brasileiros também está estudando as células da polpa de dente de leite em camundongos com degeneração da retina, porém ainda é cedo para avaliar a aplicação dessa linhagem celular. Dentro de alguns meses, os resultados preliminares estarão disponíveis. Devido à dedicação a essa linha de pesquisa, Dr. Gustavo Melo recebeu há poucas semanas um importante prêmio internacional para o desenvolvimento de um projeto de pesquisa na Universidade Harvard, em Boston, Estados Unidos.
“Será uma enorme oportunidade de adquirir conhecimento numa das melhores instituições do planeta e trazer mais experiência para o aperfeiçoamento dos estudos no Brasil”, ressalta ele. “É muito estimulante o momento pelo qual a ciência está passando. Nunca se investiu tanto em pesquisas nessa área. E nunca estivemos tão perto do surgimento de tratamento para doenças até recentemente intratáveis”, acrescenta o médico.
Porém Dr. Gustavo frisa que todos esses tratamentos ainda são experimentais e sujeitos à aprovação de comitê de ética em pesquisa. Portanto, ainda não estão disponíveis comercialmente e não podem ser cobrados. É preciso informar-se bem para evitar enganos com falsas promessas de tratamentos milagrosos, a custos altíssimos, enquanto não houver evidências de sua segurança e efetividade.
Autor: Dr. Gustavo Barreto de Melo, oftalmologista do Hospital de Olhos de Sergipe.