O ceratocone é uma distrofia da córnea (parte anterior e transparente do olho), um defeito de nascimento, que se manifesta da adolescência em diante. “Normalmente, a córnea lembra uma bola de futebol cortada ao meio e, na córnea com ceratocone, ela vai ficando cada vez mais curva, lembrando o formato de um cone. Por isso, o nome: cerato = córnea + cone = ceratocone (córnea em forma de cone). É um processo não tão raro, e é evolutivo, geralmente até os 25 anos, nunca mais do que 30 anos”, explica o oftalmologista Mário Ursulino M. Carvalho, diretor do Hospital de Olhos de Sergipe (HOS). Ou seja, a córnea progride, vai ficando cada vez mais curva e, assim, baixando a visão do paciente.
O ceratocone é manifestado em vários níveis. O leve (grau 1), em que a visão é boa com óculos e não se faz nada; grau 2, em que a visão não é boa com óculos e é obrigado praticamente a usar lente de contato rígida; grau 3, em que a visão já não é boa nem com a lente e tem que partir para a opção cirúrgica, como o Anel de Ferrara, e o grau 4, em que já tem até opacificação da córnea. “Neste grau, de tão protusa que está, o bico do ceratocone já fica opaco e tem que fazer transplante de córnea, não tem outra opção”, continua o especialista. Segundo ele, o transplante, geralmente, dá bom resultado, cerca de 90% das cirurgias são bem sucedidas, já que a córnea só tem alteração na forma, pois ela não tem nenhum problema de germe ou defeitos maiores.
AVANÇO NO DIAGNÓSTICO
Mário Ursulino conta que, inicialmente, o diagnóstico era dado com pouca tecnologia. Depois que começaram a surgir os topógrafos de córnea, que já foi um avanço na época, década de 80. Depois surgiu o Orbscan e, por último, novos aparelhos chamados Pentacam e Oculyzer, que já são avanços ainda maiores, pois tem várias vantagens sobre o Orbscan, em termos de tecnologia. “As grandes novidades no diagnóstico são os aparelhos, que proporcionam um diagnóstico, por exemplo, do ceratocone quando ainda está na superfície posterior da córnea. Nos topógrafos tradicionais/iniciais, só se via o defeito se o encurvamento exagerado estivesse na surpefície anterior da córnea. Com esses novos aparelhos, já se diagnostica na superfície posterior da córnea. Então, é um diferencial”, falou ele. E, ainda, o Pentacam e o Oculyzer tem várias vantagens sobre o Orbscan, como por exemplo: avaliar o cristalino, o mapa de progressão da espessura da córnea é muito mais preciso, a topografia na parte inferior e superior é muito melhor do que o outro, ou seja, são aparelhos com muito mais tecnologia.
TRATAMENTO
O oftalmologista continuou dizendo que o transplante de córnea era uma última etapa, que se sabe que pode dar rejeição e que tem alguns limites, como o paciente ter que passar um ano sem tomar banho de praia e sem jogar bola. As opções que se tem hoje são: o “anel intracorneano”, também conhecido como Anel de Ferrara, em que se introduz com anestesia de colírio um ou dois anéis dentro da córnea, evitando a progressão do ceratocone e melhorando a qualidade da visão, porque diminui o encurvamento. “Às vezes, tem paciente que consegue até usar lente gelatinosa depois do anel e estabiliza o ceratocone, evitando que piore. Essa é a grande vantagem do anel. Com a mudança de técnica cirúrgica, conseguimos dar uma melhoria na qualidade da visão, que antes a gente não conseguia tanto quanto hoje”, completou, ressaltando que o anel não elimina a necessidade de usar óculos, pois não é uma cirurgia com laser. Sua grande vantagem é melhorar a qualidade de visão. Já a novidade mais recente é uma técnica chamada “Cross-Linking”. Ele contextualiza dizendo que o colágeno, substância que dá resistência à córnea, nasce doentio no paciente com ceratocone, com uma constituição diferente do normal, sendo a córnea mais flácida. Por isso, ela vai entortando com o decorrer do tempo.
Nessa técnica, é misturada vitamina B2 com o colágeno, sob a ação de uma luz ultravioleta, e esse procedimento endurece a fibra do colágeno. “O paciente passa, com isso, a ter um colágeno enrijecido e evita a progressão do ceratocone. Essa técnica é simples e fantástica.
Ainda não está liberada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no país, está em nível de estudo, de protocolo de pesquisa, mas que o HOS está começando a fazer, a nível de protocolo”, disse Mário Ursulino , acreditando que, assim como na Europa, em que já está praticamente consagrada, que é uma realidade sem volta, apenas existe uma burocracia de quatro meses para que a Anvisa aprove. Hoje, se um jovem de 15 anos, que está com o ceratocone evoluindo for submeter ao Cross-linking, a córnea ficará enrijecida, evitando que ele chegue a um ponto exagerado quando chegar aos 25 anos. É um grande avanço, de acordo com o médico e sem colocar nenhum corpo estranho dentro da córnea. O cross-linking não pode ser realizado se a córnea tiver menos de 0,400mm de espessura.
A CIRURGIA
No procedimento cirúrgico é colocado um aparelho para que o paciente não pisque o olho durante a cirurgia, é retirado o epitélio (camada superficial) da córnea num processo mecânico, coloca-se colírio de vitamina B2 de cinco em cinco minutos, durante um determinado tempo, até a córnea ficar bem impregnada. Depois, esse olho é submetido a uma exposição de radiação, que é quando entra o uso do aparelho do Cross-linking, criado pelo Suíço Theo Seiler.
É a radiação que vai fixar a vitamina ao colágeno da córnea sem provocar nenhum efeito colateral intra-ocular. O aparelho, inclusive, no tempo de 30 minutos, desliga sozinho. Após isso, é colocada uma lente de contato, que fica uma semana no olho do paciente, até o epitélio crescer de novo. “É uma técnica simples e eficiente, que estamos fazendo a nível de protocolo, mas não temos ainda a liberação da Anvisa. Pelos resultados, acredito que será um procedimento que vai ficar, pois se trata diretamente o problema, é um método “quase curativo para o ceratocone”, continuou. Mário Ursulino acredita, ainda, que o cross-linking vai no futuro diminuir os casos de transplante de córnea e de anéis a serem implantados. Na Europa, já se faz isso com pacientes de grau leve para endurecer a córnea e, algum tempo depois, o olho está sendo até capaz de ser submetido ao Excimer Laser, corrigindo o grau. “Em algum caso, pode ser necessária a repetição do procedimento, mas geralmente se faz uma única cirurgia de Cross- linking para sempre”, finalizou ele.
* Dr. Mário Ursulino é médico oftalmologista e Diretor do Hospital de Olhos de Sergipe (HOS).Autor: Dr. Mário Ursulino