O ceratocone é uma desordem ocular não inflamatória que afeta a forma da córnea, provocando a diminuição quantitativa e qualitativa da acuidade (nitidez) visual. Para ajudar no tratamento da doença o suíço Theo Seiler criou e desenvolveu o Cross-linking, uma técnica inovadora e que proporciona a estabilização da córnea.
Segundo Mário Ursulino, oftalmologista e diretor do Hospital de Olhos de Sergipe (HOS), a cirurgia é feita sob anestesia de colírio para a retirada do epitélio da córnea, que pode ser feita de várias maneiras. “Podemos raspar o epitélio, o que é um pouco doloroso no pós-operatório; podemos estilar alguma substância química que solte o epitélio de forma mais fácil, mas também é doloroso no pós-operatório, ou se pode fazer com o Excimer Laser Alegretto, em que retira-se o epitélio com o próprio laser, transformando a parte mais superficial da córnea em pó”, explicou o especialista.
Retirando a camada superficial, começa-se a seguir a pingar colírio de vitamina B2 durante meia hora na córnea. Depois, por mais meia hora, o paciente fica submetido a aplicação de uma luz num determinado comprimento de onda – que não prejudica o interior do olho – e depois é colocada uma lente de contato. O paciente fica com a lente por cinco dias até o tecido que foi retirado com o laser crescer. “Simplesmente, a vitamina B2 misturada com o colágeno da córnea provoca seu enrijecimento, já que a córnea com ceratocone é mole e a própria pressão do olho vai curvando mais”, continuou.
O ceratocone acontece em cinco de cada 10.000 pessoas e começa entre 15 e 40 anos de idade, conforme contou o oftalmologista. E com o uso da riboflavina (vitamina B2) e UVA (Ultra Violeta A) para o enrijecimento do tecido corneano, a técnica atinge seu objetivo de diminuir ou paralisar a progressão do afinamento corneano. Isso porque o tratamento consiste em aumentar o número de ligações entre as fibras de colágeno da córnea doente, criando uma estrutura mais rígida e impedindo a progressão da doença.
Cirurgicamente falando, Mário Ursulino disse que essa é uma técnica simples e que o Cross-linking foi a grande novidade do congresso americano sobre catarata e excimer, que aconteceu recentemente em São Francisco (EUA). “Haviam trabalhos do mundo todo falando do aparelho. Na Ásia e na Europa a técnica já está aprovada e na América Latina também”, comentou, informando que existem três modelos do aparelho, mas o original – vindo da Europa – é o que está disponível no HOS.
Aplicação
Recentemente, Mário Ursulino realizou a cirurgia com cross-linking numa criança de 13 anos, que apresentava ceratocone inicial. “Até então, diríamos que a doença evoluiria até os 30 anos de idade e que mais adiante talvez fosse preciso o transplante de córnea. Mas surgiu o Anel de Ferrara, uma técnica cirúrgica desenvolvida pelo brasileiro Paulo Ferrara, em que se coloca os anéis dentro da córnea, diminuindo seu ‘curvamento’. Só que o anel não proporciona a estabilização da doença e aí vem o cross-linking”, falou ele.
Com a cirurgia, a criança continua normal para o resto da vida. Para Elizabete dos Santos Neta, mãe de Guilherme Pereira, que fez a cirurgia em novembro de 2008, a cirurgia valeu a pena. “O pós-operatório foi tranquilo, ele não sentiu dor e logo logo voltou a suas atividades normais. O resultado foi muito bom. O único porém é que tem que ficar um ano sem tomar sol”, falou ela. Aliás, essa é uma recomendação que deve ser seguida à risca. “Toda vez que se retira o tecido, nasce outro novo, então tem que passar um ano evitando sol no olho e usar óculos de sol sempre”, alertou o médico do HOS. Durante o período de recuperação, espera-se de cinco a sete dias para o tecido crescer. Há um pequeno incômodo apenas nas primeiras 24 horas.
Existem alguns casos também em que uma operaração com excimer laser que não foi bem indicada, o paciente fica com a córnea muito fina e com o tempo ela entorta. É que se chama de ceratocone induzido pela cirurgia de miopia ou de algum outro caso. “Esse também é um grande avanço, porque evitamos que isso piore”, disse.
A cirurgia é contra-indicada para pessoas abaixo dos 12 anos e também para pacientes muito idosos ou em meia idade. “Por exemplo, se eu tiver um paciente com 40 anos não precisa fazer mais o cross-linking, porque o ceratocone não vai evoluir mais. Agora se for um paciente que operou excimer laser com 35 anos e, por uma má indicação, foi induzido ao ceratocone, aí está indicado porque pode evoluir ainda”, completou.
Normalmente, quando o paciente não opera, o ceratocone evolui e a córnea vai ficando bem curva. Com isso, cai a qualidade da visão. O médico informou que, normalmente, a córnea tem uma curvatura de 42/44 dioptrias. E uma córnea com ceratocone tem mais de 48, podendo chegar a 60, em casos extremos. E que se a córnea já estiver opaca não adianta fazer cirurgia, tem que ser transplante.
E complementou: “não devemos fazer a cirurgia se a córnea estiver muito fina, abaixo de 400 micras de espessura. Se estiver abaixo disso não tem indicação. E num paciente com ceratocone enxergando mal, devemos primeiro colocar o anel de Ferrara e depois desentortar a córnea para melhorar a visão do paciente. Seis meses depois é feito o cross-linking. Se fizer o cross-linking primeiro, para depois colocar o anel, como a córnea vai estar enrijecida, o anel não vai conseguir o mesmo efeito, porque já endureceu a córnea”.
Outra indicação da cirurgia é para casos de úlcera de córnea, em que está ameaçando furar o olho. Nesse caso, o cross-linking pode ser feito para endurecer a córnea.Autor: Dr. Mário Ursulino