O nosso entrevistado da edição especial é o oftalmologista Fábio Ursulino, que já está de malas prontas para retornar a sua terra natal. Formado em medicina pela Universidade Federal de Sergipe, fez residência médica em oftalmologia pela Santa Casa de São Paulo e ganhou o prêmio de melhor residente ao final do curso. Agora finaliza suas especializações em catarata na Santa Casa e glaucoma na Universidade Federal de São Paulo.
Além das especializações, Fábio aceitou um novo desafio iniciado no ano passado: foi um dos escolhidos, dentre oftalmologistas de todo o mundo, para receber o David E I Pyott Master of Surgery in Clinical Ophthalmology Scholarship, uma bolsa de estudos para fazer seu mestrado pela Universidade na Edimburgo (Escócia). Um dos fatores que o ajudaram a conseguir essa disputada vaga foi o fato de ter recebido, em 2016, o prêmio Arno Habicht Award for Research Sciences da Associação Pan Americana de Oftalmologia por sua pesquisa com microscopia especular de córnea.
Participante ativo de congressos nacionais e internacionais, é um dos instrutores de wetlabs no Congresso Brasileiro de Catarata e Cirurgia Refrativa, que são cursos práticos nos quais transmite os ensinamentos que recebeu para colegas de todo o Brasil. Em novembro de 2018 também foi um dos palestrantes principais no webmeeting da Sociedade Brasileira de Catarata e Refrativa, uma reunião mensal online promovida por essa sociedade e transmitida em todo território nacional.
1- Quando você retornará em definitivo à Aracaju, após 5 anos de especialização em São Paulo?
Estou no processo de transição agora no início do ano, ficando metade da semana em Aracaju e metade em São Paulo. A partir de março, depois do carnaval, finalizo as obrigações das minhas especializações e retorno em definitivo. Já iniciei minhas atividades no Hospital de Olhos de Sergipe e em março passo a atuar exclusivamente nele e assumirei o departamento de glaucoma.
2- Como está sendo a experiência do mestrado na Universidade de Edimburgo? Qual o tema da sua tese?
Iniciei o mestrado no ano passado e foi uma grata surpresa. Descobri, através de e-mails do Conselho Internacional de Oftalmologia, que a Universidade de Edimburgo oferecia 6 bolsas de mestrado online para oftalmologistas de países em desenvolvimento. Decidi tentar a sorte e fui um dos selecionados. A estrutura dessa pós-graduação é muito interessante pois a cada 2 semanas temos discussões em inglês sobre temas relevantes na área entre os professores e os mestrandos de todo o mundo. Logo, consigo observar as diferenças na prática oftalmológica entre diferentes países, comparar com a nossa prática diária e adaptar o que for interessante para nossa realidade. Isso me ajudou muito a abrir a mente e perceber que nem sempre o que aprendemos nos livros ou com nossos professores é o mais adequado para cada paciente. O tema do mestrado é sobre o uso da Tomografia de Coerência Óptica (OCT) no diagnóstico inicial do glaucoma. Esse é umimportante exame complementar capaz de avaliar a espessura da camada de fibras nervosas da retina e, desta maneira, nos ajudar a detectar o glaucoma mais precocemente.
3- Já que entramos no assunto, existe alguma novidade no diagnóstico ou tratamento do glaucoma que você queira compartilhar conosco?
O glaucoma é uma das áreas da oftalmologia que mais vem trazendo novidades nos últimos anos, especialmente no diagnóstico e tratamento de casos leves/moderados. O advento do OCT para glaucoma foi uma importante ferramenta para auxiliar no diagnóstico de casos iniciais e já está em fase de testes nos Estados Unidos um exame de campo visual mais objetivo, que praticamente não depende da colaboração do paciente por captar as respostas do exame diretamentepela resposta cerebral. Quanto ao tratamento, novas drogas estão já em fase de aprovação no Brasil (inibidores de rho-kinase e doadores de óxido nítrico), aumentando nosso arsenal terapêutico, especialmente quando o paciente é intolerante a alguma das medicações disponíveis atualmente. Além disso, novas possibilidades de tratamento, como trabeculoplastia seletiva (tratamento a laser para reduzir a pressão intraocular) e os dispositivosminimamente invasivos, abrem o leque de opções para podermos tratar cada paciente da maneira mais personalizada possível. Para os casos mais avançados, infelizmente não temos tantas novidades, mas existem diversas linhas de pesquisa com uso de células-troncoou chips na retina para tentar recuperar parte da visão perdida com a doença.
4- E no campo da catarata, algo de novo para os pacientes?
Em termos de técnica cirúrgica, a cirurgia de catarata com facoemulsificação já está bem consolidada. A novidade são os aparelhos que trabalham com infusão ativa (como o Centurion da Alcon) tornando a cirurgia mais segura e o laser de femtossegundo que faz a parte inicial da cirurgia de maneira automática e reprodutível, o que pode auxiliar principalmente em casos mais difíceis. A principal novidade dos últimos anos está no campo das lentes intraoculares. Ao retirarmos a catarata, precisamos implantar uma lente dentro do olho para substituir a que foi retirada. Nesse momento, podemos escolher uma lente personalizada para cada paciente que possa reduzir ou até zerar seu grau para longe ou até mesmo para longe e para perto. Recentemente surgiram as lentes trifocais, que permitem visão boa para longe, perto e intermediário, e as lentes de foco estendido, que permitem visão boa para longe e intermediário e apresentam menos aberrações ópticas (como a visão de halos ao redor de focos de luz). Isso vem permitindo que muitos pacientes queriam realizar a cirurgia de catarata cada vez mais cedo como uma forma de não só melhorar a qualidade de visão, mas também se livrar dos óculos.
6- Percebi que você decidiu fazer as mesmas especializações do seu conceituado pai e oftalmologista Mário Ursulino. Fez isso pensando em sucedê-lo ao longo do tempo?
Meu pai sempre foi uma grande fonte de inspiração, mas na realidade minha decisão foi um pouco mais guiada por uma necessidade do nosso estado. Apesar do glaucoma ser uma doença que o oftalmologista geral consegue acompanhar boa parte dos casos, existem muitos casos difíceis que necessitam do cuidado de um especialista, especialmente nos casos iniciais em que há dúvida no diagnóstico e nos casos com possibilidade cirúrgica. Existe uma carência de profissionais especializados e atualizados nessa área da oftalmologia em Sergipe, apesar de já contarmos com boas profissionais, e isso me levou a partir para essa especialização. Com relação a catarata, sempre tive paixão pela beleza dessa cirurgia, muito provavelmente pela influência do meu pai que desde o início da faculdade de medicina já me levava para assistir suas cirurgias. Então a escolha não foi pensando em sucessão, mas é claro que isso vai acontecer aos poucos à medida que ele decidir reduzir a carga horária para curtir mais a vida.
7- Não será fácil substituí-lo, porque além da vida como oftalmologista, você terá que fazer a gestão de um grande hospital oftalmológico com brilhante equipe, serviço de especialização e 3 filiais. Já pensou nisso?
Acho que eu penso nisso desde que entrei no ensino médio. Sempre convivi com a expectativa das pessoas para que fizesse medicina e depois oftalmologia. Na época toda essa pressão me incomodava um pouco, mas hoje vejo que isso é natural considerando que meu pai construiu um grande serviço a partir do zero e foi pioneiro em muitas cirurgias no estado. Não é que as pessoas se importem que eu vá fazer oftalmologia, o que elas querem é que o serviço continue forte e inovador mesmo quando meu pai decidir parar de trabalhar. Sei que a tarefa não vai ser fácil, mas, como percebi isso desde cedo, já venho me preparando para exercer a oftalmologia e a gestão da melhor maneira possível. Além disso, o Hospital está se reestruturando com um modelo de conselho administrativo, o que torna as decisões coletivas e tira boa parte desse peso administrativo das costas, permitindo uma dedicação mais voltada para parte médica.
8- Como você enxerga a oftalmologia sergipana?
A oftalmologia sergipana está em um nível de excelência comparável a qualquer outro estado do país. As melhores e mais modernas tecnologias e técnicas cirúrgicas estão àdisposição da população local. Acredito que vale a pena ir a algum grande centro para fazer uma especialização não porque não teríamos acesso a ótimos professores ou aos melhores aparelhos aqui, mas simplesmente porque a população de outros estados é muito maior, o que te faz ver doenças raras com uma maior frequência e ter um maior volume cirúrgico para treinamento. Depois dessa fase, um bom oftalmologista consegue oferecer aos seus pacientes o padrão-ouro de tratamento sem precisar sair do seu estado.
9- Deixe sua mensagem final para os sergipanos.
O cuidado com a saúde ocular é fundamental, mesmo que tudo pareça bem. O glaucoma, por exemplo, hoje é a maior causa de cegueira irreversível no mundo justamente por ser, na maioria dos casos, assintomático até chegar em fases avançadas. Quando diagnosticado precocemente, conseguimos manter a visão por toda a expectativa de vida do paciente realizando o tratamento adequado. Todavia, quando o paciente já chega em fases avançadas, as opções são muito limitadas e o prognóstico ruim. Logo, é fundamental a consulta anual ao oftalmologista, especialmente após os 50 anos, para que possamos diagnosticar e tratar o mais cedo possível esses tipos de enfermidades. É muito melhor que você vá ao médico e descubra a doença do que esperar a doença te obrigar a ir ao médico.