A mudança da cor dos olhos por meio de pigmentação feita em intervenção cirúrgica é procedimento de alto risco, com resultados irreversíveis, que deve ser realizado apenas sob estrita recomendação médica. Esse é o alerta do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) para a população brasileira, que tem sido impactada recentemente nas redes sociais por pessoas que alegam terem se submetido à chamada ceratopigmentação com fins meramente estéticos, o que é mais conhecido como tatuagem da córnea. O tema foi tratado em uma nota publicada no site do CBO.
Na maioria das vezes, esses procedimentos são indicados somente em olhos de pacientes com cegueira permanente (ou com baixa visão extrema) com objetivo de tentar recuperar a aparência de um olho normal. Dentre os problemas que podem ser causados pelo uso indevido dessa técnica estão: o surgimento de casos de lesões na córnea (parte do olho correspondente ao vidro do relógio) que que podem ser persistentes e levar a perfuração do olho, infecções graves (até no interior do olho), e aumento da pressão dentro do olho.
Pacientes que já utilizaram a técnica informam dificuldade de enxergar, dor no olho, ardência, sensação de areia, aversão a luz e lacrimejamento persistente. Todas essas situações podem levar à redução da visão do paciente, seja na periferia ou no centro da visão, evoluindo em alguns casos para a cegueira permanente.
Micropigmentos – Na chamada “tatuagem da córnea”, ou ceratopigmentação, é empregada uma técnica cirúrgica na qual micropigmentos de diferentes cores são implantados nas camadas mais internas da córnea para alterar sua coloração. O procedimento é destinado, principalmente, ao tratamento de manchas brancas que acometem os olhos de pacientes cegos (leucomas ou leucoria).
Nessas situações, são consideradas como cirurgias reparadoras de deformidade ocular aparente. Por outro lado, sempre deve-se avaliar as causas dessas manchas brancas, e se não há possibilidade de algum procedimento que restaure a visão desse olho, como o transplante de córnea por exemplo. Assim, a prescrição e execução de cirurgias desse tipo são prerrogativas exclusivas do médico oftalmologista, que avaliará a condição ocular do paciente, sendo que a indicação da abordagem é personalizada para cada caso.
“Muitos pacientes que apresentam cegueira permanente em um olho podem sofrer com o estigma social que sua aparência pode provocar. A ceratopigmentação é uma técnica indicada para casos em que o paciente cego não se adapta à lente de contato cosmética (lente de contato colorida) ou quando não há indicação de evisceração ou enucleação (retirada do globo ocular) para adaptação de prótese ocular”, esclarece a cirurgiã oftalmologista Juliana Feijó Santos. “É importante enfatizar que a ceratopigmentação refere-se apenas a coloração corneana, sendo a modificação da coloração escleral (a parte branca do olho) totalmente proscrita (não deve ser realizada)”, destaca.
A ceratopigmentação ganhou visibilidade no País nos primeiros dias de 2024 após a publicação de vídeo em rede social no qual uma brasileira com visão saudável, afirma que realizou a cirurgia para mudar a cor dos olhos na Suíça. As imagens foram compartilhadas na página da clínica responsável pelo procedimento e já ganhou mais de 14 milhões de visualizações. No Brasil, o uso da ceratopigmentação para fins estéticos é desaconselhado pelo CBO em pacientes saudáveis e ressalta que o procedimento é recomendado exclusivamente para pessoas que perderam a visão e pode ser realizado apenas quando a córnea já está comprometida. O Conselho Federal de Medicina (CFM) também não autorizada o uso dessa técnica com essa finalidade.
“Como em todos os procedimentos cirúrgicos, os principais riscos são de infeção e inflamação do olho operado”, alerta Juliana Feijó. Especialista em córnea, ela tem estudado o tema em parceria com os oftalmologistas Alexandre Xavier da Costa e Cristiano Urbano Becker. A especialista do CBO ressalta ainda que ainda são poucas as evidências científicas dos efeitos de longo prazo do uso de pigmento no estroma corneano, corroborando a necessidade de cautela na busca pela ceratopigmentação. Outro ponto do alerta do CBO vem do fato da ceratopigmentação dificultar futuros exames e procedimentos oculares, como o mapeamento de retina e a cirurgia de catarata.
Biossegurança – Segundo Juliana Feijó, mesmo como prática reparadora usada no atendimento de pacientes cegos, a cirurgia só deve ser realizada num cenário onde sejam observados cuidados de biossegurança e uma boa orientação pós-operatória, pois trata-se de um ato médico invasivo e de alto risco.
“É muito importante estar atento ao estado prévio do olho a ser operado, uma vez que a patologia de base pode influenciar nas intercorrências, como perfurações em córneas finas, neoplasias (tumores) não diagnosticadas previamente ou até o desenvolvimento de herpes ocular ou rejeição de um transplante de córnea pré-existente”, acrescenta.
Com relação à infraestrutura do local do atendimento, o CBO orienta que deve ser realizado em centro cirúrgico e com o paciente anestesiado. No pós-operatório é imprescindível um seguimento clínico e uso correto dos colírios, para redução de riscos. Para pessoas que pretendem mudar sua imagem com a mudança na cor dos olhos, a indicação é de uso de outras estratégias, bem mais seguras.
De acordo com a presidente do CBO, Wilma Lelis, pessoas com boa saúde ocular que, por motivos estéticos, desejem mudar a cor dos olhos têm como melhor alternativa o uso de lentes de contato cosméticas. Porém, avisa: mesmo elas devem ser utilizadas sempre com acompanhamento de um oftalmologista e os cuidados de higiene adequados, visto que a lente também interfere na biologia lacrimal e da superficie ocular e potenciais riscos.
“O CBO recomenda que, em qualquer situação, medidas que possam trazer impacto na saúde ocular sejam amplamente discutidas com um médico oftalmologista. Ao fazermos essa orientação, com base em conhecimento técnico e científico reconhecido, queremos proteger a saúde da população e chamar a atenção para eventuais riscos aos quais pode ser exposta desnecessariamente”, concluiu Wilma Lelis.
Fonte: Revista Visão em Foco